quinta-feira, 31 de março de 2011

Primeiras gravações

A República e a indústria fonográfica nasceram praticamente juntas no Brasil. Apenas treze anos separam a queda do Império, em 1889, das primeiras gravações comerciais feitas em nosso país pelo tcheco Fred Figner, da Casa Edison, do Rio de Janeiro, em 1902. Assim, nada mais natural que boa parte das peripécias e reviravoltas da República Velha tenha sido registrada nas ceras, chapas e discos das primeiras décadas do século XX.

Já na primeira fornada de gravações, em 1902, aparecem músicas sobre temas políticos, como “Laranjas da Sabina”, “Saldanha da Gama” e “Camaleão”, compostas anos ou décadas antes. Todas elas estão voltadas para trás: abordam costumes parlamentares dos tempos do Império e resgatam episódios ocorridos na turbulenta transição entre o fim da monarquia e a consolidação da República. Outras composições, como “Capanga Eleitoral” ou “Cabala Eleitoral”, lançadas pouco depois, ainda estariam marcadas pela mesma necessidade de ajustar contas com o passado.

Mas esse olhar para trás durou pouco, superado pela forte apelo dos fatos políticos imediatos. Se tivesse sido mais intenso, provavelmente teriam sido gravadas outras composições de sucesso sobre personagens e acontecimentos marcantes dos anos iniciais da República. João do Rio, cronista da época, em artigo publicado em 1905 na revista Kosmos, registrou as letras de algumas delas. Sobre Floriano Peixoto: “Quando ele apareceu, altivo e sobranceiro / Valente como as armas, beijando o pavilhão / A pátria suspirou dizendo: ele é o guerreiro / É marechal de ferro, escudo da Nação”. Sobre Antônio Conselheiro: “Quem será esse selvagem / Esse vulgo santarrão / Que encoberto de coragem / Fere luta no sertão?” Sobre o atentado ao presidente Prudente de Moraes, em que morreu o marechal Carlos Bittencourt, na recepção às tropas que voltaram de Canudos: “Cinco de novembro / Data fatal / Em que deu-se a morte / Desse marechal”. Luiz Edmundo, em “O Rio de Janeiro do meu tempo”, registra os versos de outra música, no caso sobre o canhoneio que a cidade sofreu dos navios que se sublevaram durante a Revolta da Armada: “Pé espalhado / Quem foi que te espalhou? / Foi uma bala / Que o Javari mandou”.

O cotidiano político imediato, porém, como se disse mais atrás, acabou falando mais alto que as recordações dos fatos passados. Assim, as gravações logo passaram a abordar os temas do presente, vividos e facilmente compreendidos pela população que podia comprar discos. “Vacina obrigatória”, de 1904, retrata o clima de resistência à campanha de erradicação da varíola no Rio de Janeiro, que desembocaria na sangrenta Revolta da Vacina. “Pega na chaleira”, sucesso estrondoso no carnaval de 1909, brinca com os aduladores do poderosíssimo senador Pinheiro Machado, eminência parda de vários governos. “Os reclamantes”, de 1910, canta a sublevação dos marinheiros contra os maus-tratos na Marinha, a chamada Revolta da Chibata, chefiada por João Cândido. “A Morte do Barão do Rio Branco” homenageia o maior nome da diplomacia brasileira, falecido às vésperas do carnaval de 1912. Já “A Revolução no Paraná” versa sobre a revolta messiânica ocorrida na região do Contestado em 1913.

As composições da época, no entanto, não se limitavam a fazer a crônica de fatos e a destacar personagens da vida política nacional. Iam mais além: também criticavam os vícios e as insuficiências da República, tão jovem e já tão velha. “Eleições em Piancó”, de 1912, mostra que as eleições “a bico de pena” e a “degola” dos candidatos eleitos tornavam a consulta às urnas um jogo de cartas marcadas. “Pai de toda a gente”, provavelmente composto um pouco antes de 1910, investe contra a “política de governadores”, que assegurava o poder absoluto das oligarquias nos estados.

A partir de 1915, as gravadoras, em estreita dobradinha com os teatros de revista, aceleraram o ritmo de lançamento de músicas políticas. Recorrendo aos gêneros musicais mais populares na época – as marchinhas, as modinhas, as polcas, as valsas, os lundus, os maxixes, os cateretês e, depois, os sambas –, os compositores passaram a mirar diretamente nos figurões da política com galhofa e a irreverência. Não houve presidente da República, salvo Epitácio Pessoa, que escapasse das gozações. Hermes da Fonseca sofreu em “Ai, Philomena” (1915), Wenceslau Braz em “Desabafo Carnavalesco” (1917), e Delfim Moreira em “Seu Derfim tem de vortá” (1919) – infelizmente ainda não se localizou uma gravação desse cateretê engraçadíssimo. Tampouco a oposição foi poupada. Que o diga Rui Barbosa, ridicularizado em “Papagaio Louro” (1920).

Autor: Franklin Martins

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